segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Ciência e fotografia I

Os desenhos de Charles Darwin remetem-nos para um particular contexto histórico e ideológico de saber, no qual as ciências se foram apropriando do conhecimento do Homem, usando-o como objecto. A sociologia, a psiquiatria e a antropologia, entre outras, surgiram "num tempo de não declaradas perversões, que emergem no voyeurismo das práticas científicas, nomeadamente no estudo das diferenças das raças e dos costumes" (Serén, 1997:36). Na verdade, a expansão e consolidação do poder colonial europeu obrigou a que tudo o que fosse diferente tivesse de ser registado e coleccionado e, neste procedimento, os arquivos fotográficos guardaram colecções onde estavam tipificadas as "raças" superiores e inferiores, através dos traços morfológicos. "Alimentando tipologias não só dos doentes, mas também de temperamento e de povos; álbuns de crânios e hominídeos justificando a teoria de correspondência da inteligência com a dimensão do crânio e do cérebro" (ibid.: 39). Nesta perspectiva, os arquivos fotográficos coloniais, organizados nos museus franceses e britânicos constituiam a prova de "verdade" desta teoria e, consequentemente, eram também um modo de conhecimento, no sentido em que toda a fotografia trazida à presença do "espectador", seria uma "realidade" que, muito embora descontextualizada, servia de referente a uma área do saber.
Este quadro conceptual positivista, usou o "realismo fotográfico" como meio para legitimar as instituições e os valores duma sociedade colonialista. Também em Portugal surgiram colecções fotográficas feitas no vasto império colonial e, tal como em França, surgiram nos arquivos -- não só dos museus ou departamentos antropológicos mas também nas cadeias --, outros materiais susceptíveis de produção de conhecimento. Inspirando-se no trabalho desenvolvido em França, em 1890 por Alphonse Bertillon (La Photographie Judiciaire), é aberto no Porto um posto antropométrico no edifício da Cadeia da Relação. A análise da fotografia prisional produzida entre os finais do séc. XIX e início do séc. XX, em inúmeros estabelecimentos prisionais na Europa, revela a importância desta técnica e dos conhecimentos através dela obtidos para a ciência. No espaço da cadeia, o laboratório e o posto são os locais onde se faz a identificação dos detidos: os boletins de identificação dos reclusos contêm para além dos nomes, fotografias tiradas de frente e de perfil. Contêm também os registos das medidas antropométricas do crânio e da face, das indicações pessoais e dos sinais particulares dos reclusos.

Serén, M. C. (1997). Do Arquivo dos Preventivos à Tipologia dos Criminosos. Murmúrios do Tempo. Porto: Centro Português de Fotografia, (pp. 31-54).

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